quinta-feira, 11 de junho de 2015

Free Trail Subida à Santa - A serra em velocidade cruzeiro...

O Kemedo Team já nos tinha habituado aos bons treinos no monte, mas não estava de todo à espera que este treino à meio da semana fosse tão bom. A enchente na praça de Valongo mais parecia o anúncio de uma prova. Iniciativas como esta são sem dúvida dos melhores cartazes para promover este desporto saudável e viciante no monte e estou convencido que alguns estreantes continuarão com o bicho espetado na mente. 
Depois do trail dos 4 Caminhos com calor infernal, esta súbita descida de temperatura veio como uma bênção e o treino prometia. Embora sentindo-me lindamente depois de três noites de bom descanso, tinha-me proposto correr calmamente com uns amigos menos rodados no sobe-e-desce e arranquei sem pressas com o grupo intermédio. No entanto e empolado pelo ritmo forte e nervoso do grupo, entusiasmei-me na primeira descida...quanto mais corro com as minhas Bushido, mais confiança vou ganhando e hoje foi dia de largar todos os travões. As descidas pouco técnicas e com inclinação suave e constante, convidavam a deixar-me soltar. E de que maneira..! Eu que pensava que o treino no monte me pudesse estragar o ritmo para a próxima corrida de São João, fiquei surpreendido com o andamento. Sem me aperceber, alcancei o grupo dos chamados rápidos. Estranhei, até perguntei se tinha chegado ao grupo daqueles que tinham vindo para levar as coisas mais à sério. Mas estava mesmo no meio deles, agora tinha que aguentar... Ao longo de todo o percurso, o Paulo foi incentivando a malta, puxando pelo ritmo como se tivesse que chegar cedo para o almoço. Não estava de todo à espera de fazer tanto monte acima em passo de corrida e muito menos de rolar soltadíssimo colinas abaixo. Mas adorei, nunca os quilómetros passaram tão depresso no GPS durante uma corrida de trail.

Fomos quase atropelando os fotógrafos, tiramos a foto da praxe lá perto da Santa e já com o cheiro de Valongo a entrar pelas narinas, cruzamo-nos com os caminhantes e últimos atletas dos 10km. A minha surpresa foi tanta quanto a dos caminhantes: "São os primeiros dos 19km...!!!". Cheguei em sprint e tinha acabado de fazer mais de 19km no monte em menos de duas horas. As minhas amigas dos 10km nem queriam acreditar e eu tão-pouco...

Foi bom, muito bom, quase tão bom que tivemos tempo de sobra para conversar e conviver antes de encontrar um restaurante disposto a servir o almoço. Obrigado ao team Kemedo, à excelente iniciativa para promover o trail e ao gesto maravilhoso de associar esta iniciativa à uma boa causa. Se já era fã destes treinos, mais fã fiquei..


 

segunda-feira, 8 de junho de 2015

Trail dos 4 Caminhos....A montanha russa em lume brando...

Não posso dizer que não sabia para o que vinha. Já tinha feito o trail longo o ano passado, sabia das subidas e do terreno muito técnico e as previsões do tempo estavam espalhadíssimas na net. Também sabia que as três noitadas seguidas do Primavera Sound iriam deixar a sua marca, mas não queria saber...a vida são só dois dias, um já passou e o que falta é para agarrar com unhas e dentes, saboreando ao máximo de cada segundo, nem que seja a doer...e este trail tinha tudo para doer...


 
Confesso que virei os olhos quando vi a altimetria, que nem fiz conta à quantidade de subidas e que disse para mim mesmo: "seja o que Deus quiser, vou atrás da malta, mentalizado para me colocar em piloto automático quando a cabeça começa a desligar..". Começar um trail destes à meio da manhã, entrando quase desde o início no pico do calor, iria fazer vítimas. Houve quem dissesse que não devia ter levado a mochila com água, que os abastecimentos eram mais do que os suficientes, que o litro de água às costas só era peso à mais e que ia morrer de calor embrulhado na mochila. Tenho a quase certeza que quem me disse isso, engoliu em seco, e muito seco estas palavras e até acredito que tenha sido já antes do primeiro abastecimento.
Lá em casa, quando era miúdo, o almoço era servido ao meio dia e meia. A minha mãe sempre me disse: "Quem estiver está, quem não estiver, que estivesse". Não percebi a espera de centenas de atletas por meia dúzia de atrasados. À hora da partida, já todos estávamos com aquele ar de bronze e com o suor a escorrer pela cara e costas abaixo...foi só o princípio de muita e muita suadela...
Os usuais entupimentos depois da entrada em single track logo no primeiro quilómetro, não atrapalharam demasiado, tinha-me proposto fazer as coisas nas calmas, convencido que algures no percurso iria pagar pelos excessos das noitadas anteriores. Não sei se foram a dupla dose de cafeína antes do trail ou os vestígios de álcool da noite anterior, mas senti-me lindamente. Fui correndo monte acima, monte abaixo com uma facilidade tremenda, brincando com o Jorge que mais tarde confessou que lhe passou pela cabeça abandonar por não conseguir acompanhar-me. E competitivo como o Jorge é, é preciso muito para chegar à tal ponto. No espírito da mesma brincadeira e graças à mochila recheada, resolvi nem parar no primeiro abastecimento, obrigando o Jorge à esforço redobrado para me apanhar novamente...pois é Jorge, o Belga é tramado...
Lembro-me do tempo em que hesitava molhar as sapatilhas. Hoje adoro procurar as poças e chapinar-me todo só pelo gozo de ficar todo porco. O trail dos 4 caminhos não podia ficar de fora da tradição portuguesa e tivemos direito à água, água e mais água e se houvesse mais, mais jeito teria dado. Fomos passando pela montanha russa, com subidas ingremes, umas mais e outras menos expostas, descidas muita técnicas do estilo à que esta serra já nos tinha habituado o ano passado e muito...muito calor. Foi gerir esforço, água e passando de abastecimento em abastecimento. Tal como esperado, os excessos das noites anteriores, o calor e o próprio percurso em si, deixaram a sua marca. A partir do quilómetro quinze, foi gerir ainda com mais cuidado e tentar guardar algum fôlego para o sorriso na meta. Porque um trailer que se preze, tem que entrar triunfante com sorriso de orelha a orelha para o fotofinish e com ar de quem fez aquilo tudo com uma perna às costas. E hoje tinha que ser mesmo, nem que fosse para chatear o Jorge...

 
Deve ter sido a partir dos últimos seis ou sete quilómetros que nos começamos a cruzar com os caminhantes e alguns perdidos do trail curto. Desta vez, vi poucas caras de admiração, ouvi poucas palavras de incentivo ou gargalhadas. Vi muito desespero, gente encostada e com ar de querer desistir. Hoje fomos nos, os malucos do trail longo que fomos incentivando os caminhantes, dando força, juntamente com os muitos voluntários da organização nos últimos quilómetros...senti ali um ligeiro sentimento à arrependimento por terem iniciado as várias provas à meio da manhã... 

Se foi duro? Pois foi. Se gostei? Claro que gostei, mas sou suspeito. Gostei da escolha do percurso que teve tudo do ano passado e muitíssimo mais, até gostei do calor, porque é esta dureza que nos fica na memória e que nos traz aquela sensação de dever cumprido. Gostei sobretudo do verdadeiro espírito do trail, do companheirismo, do sofrimento em conjunto e dos muitos amigos que hoje resolveram fazer este trail tão pertinho de casa. E como não podia faltar, gostei da sessão de alongamentos da Nilza, das palhaçadas do T e do Jorge, das cervejas com o João e o resto da malta, de ter encontrado a Graça no monte, da receção da Ana, da Manuela e do Zé. Olha, pronto, gostei e para o ano lá estarei outra vez!
 
 


quarta-feira, 3 de junho de 2015

Trail da Raposa - Um trail que não mete água, não é trail que se preze...

Chega uma altura na vida em que o juízo fala mais alto que a loucura e a minha inscrição no Trail da Raposa foi fruto deste breve golpe de saúde mental. Depois de uma série de ultras e duas semanas de paragem, resolvi inscrever-me numa distância menor.

Se não fossem as sucessivas ofertas de bónus de quilómetros na distância do trail longo, uma festa de aniversário na sexta que se prolongou pela madrugada dentro, outra corrida matinal no sábado, uma sessão de paintball e mais uma noitada no sábado, até podiam pensar que o juízo me tinha batido à porta, mas não...uma boa dose de loucura tem que estar sempre presente na mente de um trailer, nesta procura incessante de sofrimento.

E assim fomos de madrugada, direção Paredes, com dois regressos das nossas atletas princesas após longo período de recuperação por lesão e outras duas estreias nas distâncias maiores. Há coisas que continuo sem perceber...um ambiente na praça principal de Paredes a tresandar de festa e só um cafezinho aberto, com tanto atleta a querer matar o vício... É verdade que todos tínhamos que apanhar um comboio, mas não havia pressas nenhumas..

No alinhamento para os 26km, mais parecia o pelotão para uma prova de meia maratona. Acho que nunca tinha visto tanto trailer junto para uma única distância. O sol brilhava, a ansiedade de começar e fugir do pico do calor era grande e as t-shirts caveadas prometiam cumprir na integra a sua função de nos manter frescos. Aquela largada de faz-de-conta para irmos ter todos ao comboio, serviu como um excelente aquecimento, o ambiente era de festa e não faltava gente a cantar: "Apita o comboio...". Gostei desta variante de invadir a estação da CP e de colorir o comboio com trajes de trailer.

Um breve olhar para a altimetria inspirou-me alguma tranquilidade, o percurso resumia-se mais ou menos à duas subidas jeitosas e mais umas quantas surpresas menores. Estava à espera de um trail rápido, embora soubesse que teria que ir com muita calma...a paragem e os abusos das noites anteriores podiam-me custar caro. Por isso, fui na ótica de curtir a paisagem, soltar as pernas e chegar fresquinho como nem uma alface. E assim foi, subidinhas mais ou menos picadinhos sem serem demasiado longas, uns bons troços com piso bom e umas descidas de apesar de alguma tecnicidade, bastante rápidas e sobretudo secas (coisa que já não me lembrava há algum tempo). Adorei a descida em rappel antes da senhora do salto e a própria senhora foi tratada com o carinho que ela merece. Passou-me pela cabeça saltar para o rio, mas consegui conter-me. Embora sempre alvo de alguma confusão, adorei o cruzamento com os caminhantes mais para o fim do troço. Gosto daquela sensação de admiração pelos loucos que vêm aí pelo monte abaixo. É o que o trail tem de bom, há respeito e admiração mútuo por todos os atletas. Fui pedindo desculpa à medida que fui passando, agradecendo e vi vários caminhantes a oferecer água aos atletas com já muitos quilómetros nas pernas, num gesto de 'estamos aqui todos para o mesmo'.


À chegada, e tal como previsto, tinha a frescura da alface, tinha as princesas à espera, tal como o coach e o amigo T, que já estava a sonhar com rojões. Foi bom ter ido para uma distância menor que a do ultra, senti-me lindamente. Mas nem por isso me ia safar da sessão de alongamentos. Afinal para quê fazer estas loucuras, se depois não houver um bocadinho de sofrimento. Fiz sessão de quarenta minutos de alongamentos na relva, com o sol a dar e repeti a dose depois da nossa última atleta ter chegado. Não só fiquei como novo, como devo ter rejuvenescido uns quantos anos.

Gostei deste trail, dos percursos, da excelente marcação, dos abastecimentos onde não faltou nada e do ambiente de festa ao longo de todo o percurso. E sim, molhei as sapatilhas várias vezes...porque um trail em Portugal que não mete água, é coisa para meninos de colégio. E as minhas Bushido, que são aquela máquina, já viram terra, água e pó digno de um verdadeiro trailer.

Parabéns às meninas pelo regresso sem percalços, às duas estreias que já pedem por mais, à Graça que apesar da lesão no joelho cumpriu corajosamente todo o percurso do trail longo, ao T que finalmente ganhou algum juízo  e à toda a organização pelo grande esforço de levar o trail por  caminhos maravilhosos, à um preço de pechincha.