terça-feira, 29 de setembro de 2015

Grande Trail da Serra d'Arga - A festa do trail com F grande..

Quando as saudades do trail apertam mesma, não há nada melhor do que fazer um trail com quem percebe de trails como ninguém. Desde que fiz o primeiro trail da serra d'Arga, nunca mais larguei as provas do Carlos Sá e mais houvessem, mais fazia. Por isso, quando cheguei ao centro de Caminha para o Sunset, logo percebi que este fim de semana seria memorável e as minhas expectativas não saíram furadas...
Ao ouvir a música, a voz familiar do interlocutor, senti logo aquele frenesim nas sapatilhas, os piquinhos no estomago e a altimetria a entrar-me pela alma dentro. Parecia de novo que estava em família, porque nas provas do Carlos, todos nos sentimos filhos, irmãos, tios ou sobrinhos. A largada para a prova Sunset foi dada como se estivéssemos entre amigos e mais parecia um puto a correr a primeira volta dentro do centro histórico antes da escalada pelas ruelas acima. Lá ao longe vi alguém de camisola cor de laranja a subir e arranjar fitas...não me diga, era o próprio Carlos Sá! Senti-me nas nuvens por poder correr várias vezes ao lado do Carlos e receber os calorosos incentivos de força. E quais nuvens...!

Chegado à cima da serra, passado o nevoeiro, fomos brindados com um pôr do sol como há poucos neste mundo. Uma manta de neblina a sobrevoar o vale, salpicada por cima com o mais puro cor de rosa da alvorada.
 Simplesmente fenomenal! Estava na hora de ligar os frontais porque não tardava que vinha aí a primeira descida. Quem pensava que o Sunset seria um passeiozinho pelo monte, estava bem enganado. A tecnicidade das descidas e a inclinação das subidas, alternando com verdadeiras incursões no mais escuro das florestas, faziam antever o que nos esperava no dia seguinte. Mas é nestas provas que sentimos o verdadeiro espírito do trail. Por mais assustador que às vezes a descida ou a solidão possa parecer, há sempre alguém que nos puxa pela coragem. Num gesto de verdadeiro espírito de trail, vi as duas primeiras atletas femininas, a Carla e a Goreti puxar uma pela outra e deixarem retomar as posições anteriores depois da Carla se ter enganado no de percurso. Adorei esganar aí a baixo, avisando os caminhantes assustados pelos nossos focos que pareciam vir à velocidade da luz. Quando entrei finalmente em Caminha e passei de forma vertiginosa pela meta, não consegui escapar ao microfone do interlocutor: "Então Lieven, deste vez já não me enganas, o belga que fala português...". E nem a Nilza escapou uns vinte minutos depois quando o mesmo microfone a apanhou todo contente por ela já não estar lesionada...É o que dá ter passado os quatro dias no Gerês...
 
No domingo, o dia da verdadeira festa do trail, resolvi sair de Afife para Dem supostamente com a ajuda preciosa do meu GPS fraquinho do carro...Sei que a minha vontade de fazer trail era muita, não sabia que a vontade do GPS também era tanta...por pouco não cheguei atrasado à Dem depois da menina de GPS me ter mandado fazer um passeio todo terreno lá para as eólicas de uma das serras...o que me valeu, foi ter tido outro GPS no telemóvel e a boa disposição do dia anterior...quanto ao carro, deixei-o na primeira rua que encontrei em Dem, sem bem saber onde. Mas tarde viria o arrependimento deste ato irrefletido..
 

Mesmo à tempo para deixar a mochila e inserir-me lá para meio do pelotão na largada, fomos subindo ainda com Dem envolvida na neblina. Os sorrisos eram muitos, a temperatura amena e as pernas cheias de vontade para mais um empeno.
O ano passado fiz os 23km e este ano resolvi fazer a primeira parte do ultra, com uma pequena esperança de me mandar para o ultra no próximo ano...não me lembrava muito bem do empeno do ano passado, só sei que adorei e sabia que hoje iria acontecer a mesma coisa. Quanto aos planos para o próximo ano, depois de tanta subida, vou deixar maturar a ideia por mais alguns dias. O trail da Serra d'Arga é daquelas corridas em que sabemos que nada vai faltar, que vamos encontrar montes de pessoas da organização pelo caminho, sempre de sorriso rasgado, que os aldeões vibram com a nossa passagem e que metade do esforço será esquecido pela experiência inesquecível de ver tanta gente solidária a correr monte acima, monte abaixo. Não contei a quantidade de corredores, mas pelas contas e as filas intermináveis de gente nas provas dos 33km e 53km, foram mais que muitas. Mesmo assim em nenhuma passagem, senti-me apertado, afunilado ou com a sensação que estavam aqui corredores à mais. Senti-me no entanto como parte de uma enorme família de gente que adora trepar pelas serras, soltar-se calçada romana abaixo saltitando de pedra em pedra e que transpira saúde física e mental. Não faltou nada, nada mesmo. Desde os excelentes abastecimentos, a simpatia de todos os voluntários, os incentivos nas aldeias por onde passamos, o percurso maravilhoso, duro quanto basta, com tecnicidade para os amantes do trail, às pequenas partes onde dá para recuperar os músculos cansados. Confesso quando cheguei à última subida, aquela da Senhora do Minho, que fiquei contente por ser a minha última e que senti alguma pena pelos atrevidos que se tinham inscrito nos 53km. A Senhora é daquelas que mete respeito, que nos faz curvar perante ela, ficar sem fôlego só de a olhar e que queremos ver  pelas costas quanto antes. A subida foi dura, muito dura...Uma fila interminável de gente a subir. Olhava para cima e para baixa e só via gente curvada a subir, subir e subir...O bater de muitas palmas ao chegar lá em cima, soube em parte à incentivo e em outra parte à gozo pela centena de metros que ainda faltava subir. Abençoadas foram as torneiras de água potável ao chegar à capela e depois finalmente o prometido plano de cerca de dois quilómetros antes de iniciar outra descida muito técnica, mas extremamente gratificante, em parte por saber que era a última e em parte por já ouvir a música lá bem em baixo na Montaria. Já perto do pico do calor, a chegada, mesmo no início da tarde, soube muito que nem uma maravilha.
Aproveitei um pouco o ambiente de festa lá na Montaria antes de me dirigir de boleia à festa principal em Dem, na horinha certa para ver todos os nossos amigos dos 23km a chegar. Foram muitos abraços, beijinhos e mais entrevistas com o interlocutor de costume para terminar o dia em cheio. Também aí não faltou nada. Outro abastecimento com tudo que era preciso, um bar com coisinhas da terra, as prometidas minis e um miminho da organização, aquela massa para repor todas as energias gastas nos dois dias maravilhosos no monte.
 

Já sabia que este trail prometia e foi tal como esperado, uma festa autêntica, com dois trails do melhor que já fiz, um ambiente como só o Carlos e a sua equipa o sabem criar e um São Pedro a ajudar. Obrigado à todos, à organização, à gente da terra que esteve em grande, aos muitos voluntários, bombeiros e polícias que fizeram deste dia mais um sucesso. E um obrigado aos amigos de sempre pela excelente companhia e amizade neste fim de semana que vai deixar muitas saudades. Até 2016!
 
E é verdade...demorei mais de meia hora para encontrar o carro...Há alturas em que até as mais pequenas aldeias parecem cidades enormes...