terça-feira, 12 de maio de 2015

Taça Ibérica de Trail....Depois da última subida, há sempre mais uma...

Alguém me perguntou: "Tu vais fazer o quê..?! 45km no trail do Vez, 130km nos quatro dias do Gerês e inscreveste-te para os 50km de Cerveira..?!"
Eu sei que me precipitei ligeiramente, que talvez tenha roçado a insanidade, mas o cartaz prometia e seria a minha primeira, mesmo por poucos metros, incursão em terras vizinhas na minha ainda curta vida de trailer. E já que era para partir tudo, partimos como deve ser...
Sempre soube e muita gente me disse que era preciso uma boa dose de loucura para gostar de trepar montes e serras e também sabia que sair de casa antes do galo cantar para me meter na estrada embrulhada em nevoeiro, faz parte desta dose. A gente de Vila Nova de Cerveira, também deve ter pensado assim, tal era a dificuldade de encontrar um café aberto. Tanta esplanada e ninguém sabia da vinda dos malucos pelo monte. Ai, se soubessem...tanto cafezinho e pãozinho com marmelada que teriam vendido...
 
O pelotão composto pelos bravos dos cinquenta era escasso e destes heróis do dia, metade vinham do país vizinho. A vontade de arrancar era desproporcional à nossa cara de sono, mas teria que ser, era preciso aproveitar do tempo fresquinho para rolar quilómetros...e lá fomos serpenteando pela vila e monte acima. Para quem estava à espera de passar a ponte da amizade, ter que mostrar o passaporte, cumprimentar gente com uns buenos dias e voltar às terras lusas, ficou a saber que afinal os nuestros hermanos tinham medo de nós...um alto responsável galego recusou-se a assinar a autorização para o nosso assalto do outro lado do rio Minho.

 
Aquela coisinha, impressa no dorsal de pernas paro o ar, chamada altimetria, já me tinha cheirado um pouco suspeito...mais parecia um batimento cardíaco...mal eu sabia qual seria o batimento ao escalar tanta parede acima. O nevoeiro traiçoeiro escondia bem o que nos esperava e  apesar da temperatura amena da madrugada, não demorou nada até sentir o suor a escorrer pelo nosso corpo abaixo. O sobe e desce para as próximas horas tinha começado.
 
Sei que passei por serras muito bonitas, algumas cobertas em neblina, que trepei riachos acima, que cheirei musgo na floresta, que contei pedra atrás de pedra e que algures depois da curvatura na subida havia mais outra subida...Valeram as paisagens, a simpatia e carinho nos abastecimentos, as palavras de incentivo dos companheiros de sofrimento e a música lá bem ao fundo no vale...Ao chegar ao que eu pensava ser a última subida, lá perto da estátua do veado, um cavalheiro da organização apontou-me uma fita cor de laranja: "Agora é só descer até aí e depois sobe só mais um bocadinho até ali e já está...é sempre a descer...". Que raio de mania que esta gente tem nos abastecimentos...é tudo uma cambada de mentirosos. Chamam à isto subir..?!! Em boa linguagem de trailer, chama-se trepar, gatinhar, içar o corpo corda acima por calhaus enormes. E na descida, quando pensava que já tinha visto tudo depois das escadinhas escorregadias, alegremente olhando para baixo e com pouca atenção às fitas, cheguei a uma estrada em asfalto com a música já bem pertinho... O que eu tinha sonhado com este oásis depois de tanto piso técnico...e não é que as fitas laranjas desapareceram...? Era bom demais, volta para atrás, novamente fora da civilização e eis que vem outra subida...Confesso e sei que me fica mal, mas a única alma viva perto de mim, era um Espanhol. Não resisti, larguei um palavrão bem alto que me soube pela vida...A malta que organiza trails deve pensar que a gente vai aos trails por causa do desnível positivo, do sofrimento ou por alguma promessa...ainda não perceberam que a única coisa que nos faz cometer tais loucuras é a medalha, o chouriço nos abastecimentos, a travessa de rojões e a caneca de cerveja no fim.
 

 
Na reentrada na civilização, como se fosse dar um passeio pelo centro histórico da vila, espreitei invejosamente para os finos e panachés nas esplanadas e sabia que já faltava muito pouco para a minha caneca de cerveja. Como agradável surpresa, fui recebido por uma voz conhecida do repórter de serviço, o mesmo do Gerês que ao longe foi mandando palavras de incentivo dizendo que estava a chegar o Belga que falava português...Um último sorriso, daqueles que os trailers tão bem sabem disfarçar para a fotografia e finalmente a merecida medalha da amizade ao pescoço.
Esperava-me a coça dos alongamentos, um banhinho quente que soube à maravilha e por fim o prémio do dia...uma caneca geladinha de néctar dos deuses. Tinha valida a pena fazer este trail.
 
 
 
Não posso deixar de agradecer à organização que com a sua simpatia, profissionalismo, excelente escolha dos percursos que tinham tudo de bonito e de duro, fez com que este trail já entrou na agenda do próximo ano. Parabéns por este primeiro de muitos trails na maravilhosa serra da Cabreira. E como estas coisas só fazem sentido em grupo, um muito obrigado à Nilza pela coça que levei, ao T pelo passeio religioso, à Graça e à Sara pela partilha de todo o sofrimento no monte. Obrigado por toda esta loucura saudável.

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